O Espírito do nosso tempo

Falo muito de Zeitgeist. Zeitgesit – ou espírito do tempo – é o conjunto de fatores que ditam o clima intelectual e cultural do mundo. Também, podemos dizer que é como as gerações futuras lembrarão da nossa época. Esse espírito é – dentre tantos outros fatores – consequência dos discursos e ações dos mais influentes entre nós. Um presidente. Um governador, um prefeito, um influenciador digital ou movimentos populares e intelectuais. As repetidas ações destes contribuem para concretizar o espírito do tempo, como uma atmosfera; para nos moldar, naturalmente, conforme suas falas e seus atos.

Afinal, somos produto do nosso tempo, como escreveu Daniel Blume. Essa atmosfera gera consequências factuais em nós e entre nós, podendo resultar em calmaria ou barbárie – o presente nos dá amostras mais do que suficientes disso, especialmente no caso da COVID.

Eis, então, o que devemos analisar: o nosso tempo.

Em primeiro lugar, sondemos nossos antepassados, somos fruto de gerações frustradas. Para as quais o sonho de prosperidade e de entrega de um país melhor sempre pareceu distante. Nossos pais e avós sempre viveram na esperança do “Brasil, o país do futuro”, nunca nas realizações do “Brasil, o país do presente”. É o futuro que nunca chega e o presente que nunca se vai.

Tais frustrações geram um espírito que clama exaltadamente – como um viajante clama por água no deserto – por mudanças. Caricatura dessa intensa necessidade de mudança é a predisposição em acreditar em heróis – em mitos – e entregar, cegamente, o futuro na mão destes. Confiam tanto que não é absurdo dizer que, a única força política que o brasileiro conhece é o personalismo, como nos ensinou Sérgio Buarque de Holanda¹. O personalismo chega a ser um culto.

Em segundo lugar, voltemos nossos olhos para o atual governo. O que é se não a última gota de esperanças de uma geração que teve suas expectativas – todas – destruídas? Desde a Ditadura militar o brasileiro aposta em avanço e recebe hiperinflação, corrupção, ineficiência e mais promessas de país do futuro. É natural que, a promessa de liberdade desse museu de novidades seja tão sedutora e fidelize tanto os ouvintes.

A pergunta que lhes faço é: liberdade de que?

Respondo. Neste atual governo, de tudo. Explico, parafraseando Hayek. Na intenção de afastar a pecha de autoritário, foi prometido uma “nova liberdade”. A chegada do bolsonarismo ao poder – leia Bolsonaro – seria um salto do reino da necessidade para o reino da liberdade. Bolsonaro traria a “liberdade econômica”, sem a qual as demais liberdades de nada serviriam.

Somente Bolsonaro seria capaz de vencer a guerra secular pela liberdade e libertar o brasileiro. Foi o pathos da campanha. Não há novidade. Entretanto, devemos ficar atentos na alteração de sentido submetido ao termo “liberdade” para o governo – que torturou o termo – a liberdade passou a significar que o indivíduo estaria livre da coerção e do poder arbitrário do Estado – e da sociedade, seria apenas livre –, livre de forma que não teria outra opção senão obedecer às ordens do superior ao qual está vinculado, o presidente.

Eu vejo o futuro repetir o passado. Eu vejo o espírito do tempo se formar… porque o zeitgeist é feito de acúmulos, da repetição e da assimilação de mensagens. O Brasil se fecha no espírito do passado, do autoritário. Tudo isso, mais uma vez, ladrilhado em nome da liberdade.

Aos liberais, tempos sombrios se aproximam, tempos sombrios virão. Teremos que construir nosso próprio espírito do tempo, com muita repetição. É por isso que estou aqui, nessa coluna quinzenal. E seja bem-vindo ao Libercracia.